domingo, 11 de março de 2012

Lúcio,
Escrevo-te, lápis em punho, nesta madrugada. Não encontrei caneta? Talvez porque o escrito à lápis sempre possa ser apagado, mudado, (re)editado. Com a vida não tem disso. Ensaio e estreia. Somos meros rascunhos do que planejávamos ser. Personagens de nossos pequenos dramas pessoais. A gente lê tragédia grega e acaba vivendo dramalhão mexicano com requintes de patetismo.
Eu (sim, "lá vem ela com seus eus", imagino sua possível irritação aqui) sempre dei valor demasiado à ausência, porque ela é um lugar de destroços. Titubeio, tropeço numa pedra mal colocada e não há uma mão alí para me amparar. Criança que escondeu-se no armário e os pais não deram falta, durante uma festa. Alguém abre a porta do armário, pergunta por onde estive e me abraça. Faço de conta que foi assim, e dói menos. As melhores cenas da minha vida não aconteceram, mas deveriam.
Não te respondo com o mesmo lirismo, pois tem me faltado poesia no rodo cotidiano. Onde vende lirismo?
Espero-te. Juro com a minha falta de fé em quase tudo que nunca mais te espero. As esperas me fatigam. Respondo-te. Emudeço.
Naquele tempo em que tu e eu éramos "nós", me chamavas de bailarina astuta. Naquele tempo, esqueci de te dizer algo f-u-n-d-a-m-e-n-t-a-l: eu nunca aprendi a dançar tão devagar, pra te acompanhar. Ou talvez tenha dito, e não ouviste meu sussurro. Aparecias mesmo quando eu gritava histericamente, com seu ar professoral de quem viveu mais. Eu, sempre a criança mimada a engolir o choro. No entanto, não vinhas quando eu cantava, num segundo mais feliz.

(Vanessa Souza Moraes in: Cadernos de Luísa)

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